Vivemos de recordações!... Algumas delas desagradáveis, mas estas tentamos afastá-las para o mais longe possível, para que o tempo se encarregue de dissolvê-las, até que se extingam definitivamente e não voltem a importunar-nos. Mas a verdade é que as más recordações, lá de vez em quando , quais ervas daninhas que, embora sendo exaustivamente combatidas, insistem em surgir, a verdade é que todas as recordações boas ou más ficam-nos permanentemente gravadas e, lá de vez em quando ressurgem inevitávelmente. Neste momento, estou a recordar um infausto acontecimento ocorrido não com pessoal da nossa CArt, mas sim de outra subunidade, mas não me estou a recordar qual seria: se da CCS, seus adidos ou de qualquer das outras CArts do Batalhão. Em determinada data que já não recordo ao certo, foi realizada na áerea da Serra Quimbinda uma operação que tinha elementos da CCS e de uma das CArts. Devem recordar-se da existência do Fortim da OPVDCA que ficava a poucos quilómetros do Quitexe, na estrada Aldeia Viçosa – Quitexe – Carmona. A operação em causa foi realizada nas proximidades desse Fortim e sucedera que durante uma caçada levada a efeito em dia anterior pelos Voluntários, estes atingiram a tiro uma paçaça, ferindo-a apenas, não tendo conseguido apanhá-la, pois ela fugira-lhes, o que era evidenciado pelos rastos de sangue do animal ferido. Ainda a procuraram exaustivamente, mas nada conseguiram, pois a pacaça se pusera “a milhas” e, como era próximo o fim do dia, desistiram de procurar o animal e recolheram ao Fortim.
Synceros caffer(Búfalo do Congo ou pacaça) |
Passados que eram dois ou três dias desta ocorrência, estava o AGR/C em questão a entrar na região, quando transitava por entre capim alto, próximo de um maciço de mata, o animal ferido e naturalmente febril devido ao seu estado, do local em que estava emboscado, vendo o movimento das cimeiras do capim, investiu sobre a coluna de militares que por ali transitavam e foi atingir um militar que foi catapultado para uma distância de cerca de dezasseis metros e quando a equipa de socorro chegou junto a ele, verificou que um dos braços dele se encontrava praticamente arrancado rente ao ombro e apenas ligado ao corpo por algumas peles e nervos. O pior era que o rapaz de, 21 a 22 anos de idade, era casado e pai de dois filhos, pois tinha casado bastante novo. Foi pedida evacuação imediata do ferido e, dentro de muito pouco tempo de espera, lá chegou um Allouette III que o transportou para o Hospital Militar de Luanda. Quanto à evolução do caso do ferido, na nossa Companhia, nunca mais soubemos nada sobre ela, mas de certo haverão algumas pessoas do nosso Batalhão que deverão ter sabido do que lhe sucedeu. Temos boas recordações que vale a pena relembrar. Esta chama-se Victória. Já passo a explicar: Quando o nosso Batalhão ocupou o subsector, uma das suas Companhias, a 784, foi colocada em Stª.Isabel, onde foi render uma CCAÇ qualquer que, numa das suas operações teve a missão de destruir um objectivo In que tinha dado diversos problemas à população civil europeia e nativa, sem distinção. Foi montada uma operação cuja missão era destruir o acampamento e seus ocupantes para deixarem de dar problemas. Realizou-se a operação com um tal factor de surpresa e secretismo que tudo decorreu como planeado. Foi destruído o objectivo com tal eficiência que não escapou ninguém, apesar da feroz resistência do In., bem equipado e armado, este foi completamente derrotado não tendo ficado ninguém, tendo alguns perdido a vida nesse combate. Na fase seguinte, foi iniciada a destruição da sanzala pelo fogo. Nesta ocasião, vindo de uma das cubatas em vias de ser destruída, foi nitidamente ouvido o choro de um recém-nascido que, na fuga, fora abandonado pela mãe. Entraram na palhota e encontraram um bebé com poucos dias de vida. Era uma menina e órfã de pai e de mãe!...O que fazer?!... Consultado o Cmdt da força, este decidiu que não se faria qualquer mal à inocente, que seria recolhida e depois, com mais calma, se resolveria o que fosse melhor para ela. Logo ali lhe deram-lhe um nome:Victória !...
E Victória passou a chamar-se. Tratou-se de registar e legalizar a bebé o que foi realizado sem problemas. A menina era tratada, alimentada por alguns soldados, como se de uma filha deles se tratasse. Quando chegou a fim da comissão deles, tentaram levar consigo para a Metrópole a criança, mas as autoridades puseram-lhes tantas dificuldades que tiveram que desistir. Mas há sempre uma solução para todos os problemas e para este não houve fuga à regra: Então, uma nativa bailunda que era mulher de um dos contratados na Santa Isabel não tinha filhos nem podia tê-los por uma qualquer razão física e foi ela que propôs às autoridades um processo de adopção plena da pequena Victória, que assim pode ter legalmente os seus pais. Essa criança, quando chegámos a Stª.Isabel devia ter uns dois a três anos e estava tão habituada aos militares por atavismo da sua criação, que só ia para os pais adoptivos para dormir. Falava o português espantosamente bem e nós, que gostávamos de ouvir falar , provocávamo-la a falar e dizíamos-lhe que ela era muito bonita(e era mesmo!...), mas que era “preta”. E ela respondia “Ah!...Não!...Não sou nada preta!...Queres ver?” E mostrando-nos as palmas das mãozinhas rosadas, dizia-nos:”Estás a ver?!...Não sou nada preta!...Sou branca!...”. Saímos de Stª.Isabel e Victória ficou lá com os seus pais adoptivos e com a 784 novamente, como no princípio. Deve ter nascido em 64-65. Hoje se estiver viva, terá uns 46 a 47 anos de idade. O que será feito da pequena Victória tão amimada pelos militares?...Desta vez, bati o “record” de texto e fugi um pouco ao tema habitual. Vou terminar enviando cordiais saudações a quem se der ao trabalho de me ler, despedindo-me até ao próximo Capítulo. Até lá!...
Foto apenas simbólica |
Octávio Botelho