Estávamos há pouco tempo de regresso ao Liberato, vindos de Santa Isabel, quando nos aconteceu uma ocorrência única e invulgar, pelo menos nas Subunidades em que fiz parte dos efectivos das mesmas. No aquartelamento do Liberato não havia água corrente em nenhuma das instalações existentes. Nem mesmo na residência do gerente da Fazenda havia tal comodidade. Tinham uma cisterna feita em cimento que era reabastecida de água pelos militares que igualmente reabasteciam os depósitos da cozinha do rancho geral e dos diversos chuveiros para o pessoal existentes em diversos locais do aquartelamento, depósitos esses que eram construídos com diversos bidões unidos pelo fundo com curvas e tubos de canalização, tendo um ou vários crivos de chuveiro, onde tomávamos os nossos duches. A água era bastante boa, originária do rio Calambinga um, entre outros, dos afluentes do rio Dange e que tinha a sua nascente a poucos quilómetros a sueste do Liberato. A água do rio era periódicamente analisada, e em todas as análises, era classificada como potável, na época seca, mas na época chuvosa era aconselhada a filtragem, para poder-se utilizar sem riscos para a saúde. Ficava o rio a pouca distância das instalações(cerca de quinhentos a setecentos metros). Era, diariamente, nomeada uma Secção, com um Unimog 404 com atrelado tanque para água que, com uma bomba manual, aspirava a água do rio e depois a vinha distribuir, primeiro pela Cozinha e depois pelos chuveiros deixando todos os depósitos atestados, inclusive o da Fazenda.
Pistola-Metralhadora PPSH(Costureirinha)-Russa |
. Era um trabalho feito às primeiras horas da manhã e sucedeu um dia o inesperado. O rio ficava numa planície, que estava plantada de cafeeiros, o que dificultava a visão a longa distância, uma vez que aquela planta é muito ramosa e de folhagem perene. A cerca de uns quinze a vinte metros havia um maciço de bambus, bastante espesso com uma extensão de uns dez metros e um metro e meio de largura, disposto ao longo da margem do rio, afastado desta uns quatro a cinco metros. A viatura com os militares, aproximou-se da margem do rio para iniciar o enchimento do atrelado da água e quando o fazia, inicia-se um inesperado tiroteio a partir da cortina do maciço de bambus, o que provocou pronta e idêntica reacção dos nossos militares, que fez com que os atiradores lá emboscados se pusessem em fuga precipitada, desaparecendo rapidamente a coberto da espessura dos cafeeiros. Foi feita uma rápida batida nas proximidades, mas foi infrutífera dada a pouca visibilidade na área, provocada pela vegetação existente Foram procuradas posições de vigilância além do rio a uma distância de uns vinte metros para prevenir alguma tentativa de reaproximação dos atacantes, mas eles não apareceram mais, nem naquele nem em qualquer outro dia, até sairmos definitivamente de lá, no término da comissão. E foi este o único ataque feito, não directamente ao meu aquartelamento, mas nas suas imediações, durante as minhas três missões de serviço em Angola.
Por do sol em Angola |
Depois deste episódio, estou a lembrar-me de um outro, ocorrido com um camarada meu que tinha a mania de querer fazer de qualquer bicho que apanhasse, um animal de estimação. Estava ele, nas proximidades do já citado rio Calambinga, à procura de qualquer animal que alcançasse, pesquisando no meio da vegetação rasteira com essa intenção. Tinha um militar ou dois que iam fazendo uma espécie de batida para irem encaminhando os bichos que lá estivessem refugiados para o local onde ele se encontrava. Ele, por prudência, levava aperrada a sua espingarda G-3, quando, de súbito, vinda do lado que se encontravam os seus ajudantes, se ouve uma grande restolhada na vegetação rasteira e logo em seguida se vê erguer-se do chão, uma cobra de cor castanha clara e que fica estática, silvando e alçada, voltada para o local em que se encontrava o meu camarada. Repentinamente, a cobra catapulta-se para o ar e atira-se na direcção dele, que instintivamente e sem fazer a necessária pontaria, disparou para o ar na direcção do ofídio que veio cair a seus pés, revolvendo-se no chão, mas... com a cabeça cortada pelo projéctil disparado!.... Era um animal com cerca de dois metros!... Ele ficou pálido e tremia, dizendo que, se quisesse fazer tal façanha de certeza que não conseguiria, apesar de ter tido a classificação de “atirador especial” e ter ganho alguns campeonatos naquela especialidade. Na realidade, deve ter sido um acaso ou um golpe de sorte. Veio para o aquartelamento arrastando o seu troféu, que esfolou e com ajuda de um nativo esticou a pele sobre uma tábua, depois de devidamente tratada, para secar. Mas a verdade é que perdeu a mania de ir caçar animais selvagens para fazer deles animais de estimação. Mas antes, chegou a ter um esquilo, depois um noitibó, mas dizia que o seu sonho era ter uma cobra, anseio que nunca conseguiu concretizar. Por agora, parece que vou ter que parar, pois já me excedi um pouco. Despeço-me enviando cordiais saudações a quem se der ao trabalho de me ler. No próximo capítulo cá estarei com outras histórias. Até lá!...
Octávio Botelho