A guerra de Angola, em Nova Lisboa, no pouco tempo que lá permaneci, parecia um assunto de outro mundo muito distante, pois dela pouco ou quase nada se ouvia falar. É certo que as Unidades de Nova Lisboa, tais como o RINL (Antigo RI 21 e o GACNL, tinham Companhias de Caçadores e Baterias de Campanha destacadas em lugares bastantes afastados das respectivas sedes, em locais como o Cuemba(Bié) e Luso (Moxico), ocupadas em missões que envolviam os riscos inerentes ás suas funções próprias e lá, de vez em quando, se ouvia falar de ocorrências de ataques do MPLA, dado que esses efectivos se encontravam numa zona tampão muito sensível, precisamente em locais que intermediavam entre a zona de acção dos dois ML (MPLA e UNITA). Existiam mais duas Unidades, que eram o Quartel-General da ZMC e a EAMA, mas estas não eram operacionais, sendo a primeira um QG e a segunda um Estabelecimento Escolar Militar, onde se ministravam em Angola os COM e CSM. Em complemento tinha outras pequenas Unidades, tais como um PAD, uma Delegação da Manutenção Militar e ainda um DRM e uma Casa de Reclusão.
.
.
Uma rua em Nova Lisboa |
As Unidades ficavam situadas na periferia da cidade, já numa zona rural, nos arredores do Bairro de Stº.António e junto ao IIVA (Instituto de Investigação Veterinária de Angola) um estabelecimento de ensino e investigação na área da Agro-Pecuária, muito conceituado e único em todo o território angolano. A vida nas Unidades era idêntica à das Unidades Metropolitanas. Os militares que lá prestavam serviço, não tinham as mordomias dos que estavam em Luanda e no mato, pois não tinham direito nem a alimentação completa e alojamento e apenas recebiam o vencimento base e o complementar e não tinham a subvenção de campanha. Resultava disto que tínham apenas direito a almoço p/conta do Estado. Quanto ao resto era por sua conta. Tínham que pagar numa pensão, o quarto, o pequeno-almoço, o jantar e a lavadeira. Era uma situação tão apertada que, quando chegava o fim do mês, pagávamos as contas do Bar, da pensão, lavadeira e ficávamos “tesos” sem um “tusto” para qualquer outro imprevisto, tal como uma ida ao Cine Ruacaná, uma refeição fora, no Bar Martins, etc… Mas, por uma ajuda do destino, consegui um feito inédito, graças a uma troca que fiz com um camarada 2º.sagento como eu, que estava numa unidade de reforço à GN (Unidade Expedicionária, do RAL-5) que se encontrava em Cabinda, e que tinha a sua família estabelecida em Nova Lisboa; sucedera que tinha estado ali numa Comissão Voluntária e, quando esta terminou e regressou à Metrópole foi logo apanhado para uma Comissão por Imposição, mas em Cabinda. Estava então ele em Cabinda e a mulher em Nova Lisboa, numa situação algo desconfortável. Ele, como tinha uma “cunha” no QG/RMA, conseguiu que fossse realizada a troca, fazendo ele o requerimento e eu apresentando uma declaração como aceitante.Assim se fez e, rapidamente, foi o assunto resolvido!...Marchei para Cabinda, onde, embora isolado, fiquei numa situação económica mais desafogada, pois tinha alimentação e alojamento e ainda recebia a subvenção de campanha .Isto permitiu-me aumentar a soma da minha pensão para casa e ainda ficar com um remanescente mais confortável de dinheiro para os meus gastos pessoais. Mas ainda antes de sair de Nova Lisboa para Cabinda, estou a recordar-me de um episódio trágico ocorrido nesse lapso de tempo com militares do GACNL. Conta-se em poucas palavras:
.
.
Jardim Público em Nova Lisboa |
Estavam, numa determinada data que não recordo, nomeados Sargentos de Dia ao Grupo e a uma das Batarias, um Furriel e um 1º.Cabo Milº., como então eram designados, por sinal, dois grandes amigos. O Furriel e o Cabo Miliciano, acompanhados do Oficial de Dia, tinham acabado de passar a revista ao Quartel, após o Render da Parada e estavam os dois junto ao Posto Rádio das TRMS, na cavaqueira. Estavam armados os dois com a pistola Walther. De repente, sai-se o Fur.Milº. com esta, frase, dirigindo-se ao Cabo Milº.: "Ó F…, eu vou-te matar, agora"!...E, acabando de dizer estas palavras, sacou da Valther e apontou-a ao Cabo Milº, disparando um tiro, que atingiu em pleno peito o seu amigo, matando-o instantaneamente. O atirador ficou como que “fulminado” transformado em estátua durante uns segundos e ao consciencializar o que tinha acontecido na realidade, entrou num ataque de loucura, pelo que teve de ser dominado pelos circunstantes que o transportaram ao Posto de Socorros, onde foi sedado. Quanto ao falecido, uma vez confirmado o óbito no próprio local da ocorrência, foi-lhe dado o conveniente destino. Por hoje vou terminar, enviando cordiais saudações e aproveitando ao mesmo tempo a oportunidade para, nesta quadra festiva que se aproxima, formular os meus votos de um Feliz Natal, com muita felicidade, compreensão e saúde para os eventuais visitantes que se derem à paciência de me ler. Um abraço, com amizade, para todos e até breve!...
Octávio Botelho