Assim como tudo que tem um princípio tem, fatalmente, que ter um fim, a nossa permanência naquela Fazenda, ia-se aproximando inexoravelmente do seu fim, mas como despedida, que pouco tempo nos deixava para pensarmos nisso, continuámos a ter, como de hábito, bastante e variada ocupação operacional, pelas mais variadas e diversas localizações, qual delas a melhor!... Poderia dizer-se que entre “aquelas” e “estoutras”, viesse o diabo e escolhesse. Era esta actividade intercalada com outras menos arriscadas, mas não isentas de qualquer risco que, poderia dizer-se sem exageros, estava em todas as missões que nos atribuíssem, fossem de que natureza fossem. Não se podia propriamente dizer que pessoa alguma integrada numa qualquer força em estacionamento em Angola, tivesse missões mais ou menos arriscadas, porque tal não correspondia à verdade, salvo algumas excepções que aqui e agora não interessa referir. A propósito de operação, estou a lembrar-me de uma que foi feita para os lados da serra da Cananga e, durante o seu desenrolar, um dos nossos GC foi levado pelo PCA, a um “objectivo” onde foram encontrados numa palhota armazém diversos aparelhos domésticos, tais como mobílias, despertadores, relógios de parede, máquinas de costura, que tinham sido objecto de saque feito a fazendas de europeus que ficavam nas faldas da citada serra e tinham sido levadas para ali por elementos dos Movimentos de Libertação.
Troço da picada de acesso à Fazenda Liberato |
Como era impossível restituir tais objectos aos seus donos, por se desconhecerem e até talvez terem sido chacinados em 1961, alguns foram destruídos, mas um dos militares ficou encantado com uma máquina de costura muito bem conservada que lá viu e pediu ao Comandante da força se lha deixava levar consigo, no que foi atendido. Pois teve que a carregar desde o alto da serra até à base, num percurso que não era nada fácil, pois a serra tinha uma encosta bastante inclinada, difícil de subir e mais ainda de descer, como era na presente circunstância. Nunca mais se ouviu falar em tal máquina, nem se sabe se o militar a vendeu antes de partir ou se, de facto, a levou para casa no fim da comissão!... Foi enquanto estávamos nesta Fazenda que, em 26ABR66, tivemos a primeira visita do azar que, à nossa convivência retirou, num brutal acidente de viação, os nossos camaradas Fur.Milº. Luís Joaquim Pereira Pinto, natural de Torre de Moncorvo e o Sold. CAR Alfredo Rebelo de Amorim Malheiro, natural de Vila Nova de Cerveira. Esta ocorrência já aqui foi referida mas, achei por bem repeti-la, para que fique na memória de todos os elementos da CArt 785/BArt 786/RAP-2 e assim não suceda ser eclipsada pelo olvido e perdure enquanto for vivo um dos elementos da nossa Companhia. Há ainda um outro elemento que faleceu em combate, mas mais perto do fim da Comissão que será relembrado na altura apropriada.
Por do Sol em Angola |
Pouco antes de Natal de 1966, saímos efectivamente de Santa Isabel e voltámos ao nosso aquartelamento inicial, a Fazenda Liberato, aonde nos acomodámos o melhor possível para a etapa final da nossa Comissão em Angola. Já era um território conhecido e a adaptação às mais fracas instalações foi superada com relativa facilidade e alguma filosofia à mistura, tendo sido esta última que mais nos facilitou e suavizou o trauma da transferência. A CArt 784 pouco ou quase nada fez no melhoramento das instalações pois a verdade era que eles ali estiveram apenas em trânsito e porque as instalações eram privadas e tal melhoramento poderia ter partido do proprietário da Fazenda, pois que elas, na realidade, eram sua propriedade legítima e os melhoramentos seriam feitos em valorização e benefício próprio. Por hoje vou terminar, enviando cordiais saudações aos meus camaradas da CArt 785 e a todos os que se derem ao trabalho de me ler, estejam onde estiverem. No próximo capítulo continuarei a narração destas Crónicas. Até lá!...
Octávio Botelho