A Fazenda Liberato era, com referi no capítulo anterior, uma fazenda com plantações de café, com uma dependência não habitada em permanência, situada a uns quinze quilómetros da sede, que em 1961, com a eclosão das acções terroristas dos Movimentos de Libertação MPLA e UPA, foi completamente destruída, nas suas instalações e, com a chegada dos primeiros contingentes do Exército, os proprietários, tendo recuperado um tanto sumariamente as suas instalações (Casa do Gerente, moradias para o pessoal europeu, os armazéns, a sanzala e posto de socorros dos contratados bailundos), colocou à frente dos trabalhos agrícolas dois funcionários europeus, um deles Gerente ou Caseiro do Patrão e o outro para controlador dos trabalhadores africanos, devem ter sido solicitados para facultarem aquartelamento para as suas Companhias, pois ficariam com a propriedade protegida de futuras incursões dos guerrilheiros dos ML. Não tínhamos sido os primeiros a beneficiar do abrigo das instalações cafeeiras, mas talvez os terceiros a beneficiarem delas.
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As instalações da Fazenda ficavam numa Colina sobranceira a um vale, com uma boa disposição defensiva, com vigilância contínua às possíveis vias de infiltração do IN, com postos de sentinela , tipo abrigo, semi-enterrados no solo e protegidos do sol e da chuva por um telhado de cerâmica e voltados para o exterior, que se encontrava capinado e desprovido de vegetação que pudesse acobertar quaisquer movimentos, numa distância de 200 metros em toda a volta, com uma cerca defensiva de arame farpado e projectores apontados ao exterior, alimentados por um gerador que só trabalhava durante a noite.
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Fazenda Liberato - Esplanada dos Sargentos, ( Atrás: Fur. Croca, Alf. Tinoca e Furriéis Conceição Santos e Claudino. Na frente: Fur.Carmona. Os três restantes, são desconhecidos. |
Relativamente a alojamento para as praças, estas tinham quatro edifícios, antigos armazéns , um para cada GC. Os sargentos, estavam alojados em camaratas com quatro a seis camas no máximo. Os Oficiais em quartos com duas camas. O Comandante, tinha um quarto individual, com uma saleta anexa, servindo de Gabinete. A secretaria tinha duas dependências: Uma servia de secretaria e a outra de quarto para o 1º.Sargento. Havia uma dependência para o Posto de Socorros militar e gabinete médico. As TRMS tinham uma sala para o Posto Rádio e Alojamento para os Operadores, assim como um alojamento privativo para o Posto Cripto e respectivos operadores.
Como disse, as instalações tinham sido reconstruídas, pois os eventos de 196l, deixaram tudo em ruínas e, apesar das reconstruções e reparações efectuadas , notavam-se ainda alguns vestígios daquela destruição.
O principal, estava garantido: tínhamos casa, alimentação, um relativo conforto, mas o mal maior era o isolamento em que nos encontrávamos. A quarenta quilómetros da mais próxima povoação, que apenas possuía um Bar, onde se serviam umas refeições mais ou menos aceitáveis e que se chamava “ Ali Bar”. Tinha uma CCaç. aquartelada em permanência, com uma dúzia e meia de casas, e com várias sanzalas em volta um bocado afastadas do centro da povoação que se chamava Aldeia Viçosa, por onde passava a estrada Carmona-Luanda. Podíamos dizer que estávamos ali, no meio do nada.
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Mapa da zona de intervenção da nossa companhia em Angola |
Chegados ao nosso aquartelamento, tínhamos à nossa espera uma recepção: Os elementos da CCaç. que íamos render e de que já não me recordo a designação, davam “vivas” aos “maçaricos”, que mais pareciam bonecos de terra vermelha que com o suor se tornara castanha e parecíamos mais africanos do que “maçaricos”. Chegamos já noite escura ao nosso destino e pouco mais podíamos fazer do que procurar lugar para nos acomodarmos para descansar!...Banhos, só no dia seguinte, pois não tínhamos água corrente. Os chuveiros eram de bidões , colocados no telhado duma cabina, , com um crivo com torneira roscado a um cano que ligava os bidões pelo fundo para saída da água, que era aquecida pelo sol, quando havia sol. A água era acarretada do rio, que ficava a uns 500 metros de distância, nos atrelados de água e posta nos bidões com baldes.
Após a instalação, ficámos em sobreposição, por uma semana, durante a qual fizemos com os “velhos” uma operação, com um efectivo de 2 CG, numa área afastada da Sede uns 10 Km ., sendo um dos GC da nossa Companhia e outro, dos “veteranos”. Fomos avisados de só ali íamos para vermos como funcionavam as coisas na guerra “a sério” e que, só por ataque directo ao nosso GC, poderíamos reagir com os meios defensivos que tínhamos à disposição para o efeito, pois, de contrário, a nossa reacção seria deitar ao chão e aguardar calmamente que as coisas se resolvessem apenas com eles. Mas os malandros escolheram um lugar que sabiam ser relativamente seguro para o aspecto de surpresas militares, mas inseguro noutro aspecto, pois esse lugar estava infestado por uma planta urticante, conhecida pelo nome de “feijão maluco” e manobraram com tal conhecimento táctico que fizeram com que a maior parte do nosso GC ficasse parado num local fartamente infestado pela tal planta, de que não conheciam os efeitos e, por pirraça e brincadeira, lá à frente da fila alguém disparou um inofensivo tiro que obrigou a que os “maçaricos”, se atirassem ao chão, mesmo em cheio, para cima do “feijão maluco” e imaginem, a cena que se desenrolou em seguida: Toda a gente que tinha caído sobre as plantas, começou a coçar-se e de que maneira!...E eles, lá à frente, a rirem-se da cena!...
Neste período houve ainda mais uma operação conjunta, esta já para um lugar mais arriscado (Alto Dange), ali perto de Aldeia Viçosa. Esta já foi a nível de Batalhão e com dois AGR/C (2 Companhias, sendo uma de “maçaricos” e outra “veterana”, sendo que esta seria a líder e outra seria a “estagiária”. Desta vez, houve mesmo recontros a sério e não houveram partidas malandras da parte dos “velhos”. E os “maçaricos” portaram-se bem, de um modo geral!...
Por agora, vou ficar por aqui, para ter alguma coisa que contar no próximo Capítulo.
Até lá!...
Octávio Botelho