Atracado ao porto de Luanda o paquete “Vera Cruz”, iniciou-se imediatamente o desembarque. Fomos encaminhados para uma composição estacionada numa gare junto ao porto que, após cerca de vinte minutos de marcha, nos deixou num apeadeiro situado próximo da entrada do Campo Militar do Grafanil . A entrada era impressionante, tinha um controlo de entrada de viaturas e pessoal, com um balancé accionado por um vigilante numa casa situada a um dos lados da entrada. Tinha-se acesso a uma larga avenida, com diversos edifícios tipo armazém, dos dois lados. Eram na realidade, armazéns de diversos materiais necessários á logística própria de uma guerra: Depósitos de Material de Guerra, de diversos tipos, como armamentos, equipamentos, material Auto, de Intendência , etc…!
Subia-se a avenida de entrada e, ao fim de uns cem a duzentos metros, voltava-se à direita e, do lado esquerdo, estava situada a célebre “Capela do Imbondeiro”, dedicada a Nª.Srª. de Fátima e do lado direito, ficava o cinema do CM do Grafanil, que tinha um “écran” para Cinemascope, um palco, para espectáculos de “variedades” e uma cabina de projecção equipada com os mais modernos projectores de cinema. Só tinha 1ª. e 2ª. Plateias, não possuindo Geral nem Balcões e se chovesse não havia sessão, pois a esplanada não tinha coberta. Tinha, no entanto, um Bar bastante bem equipado e fornecido de cervejas , refrigerantes e outras bebidas mais selectas.
.Grafanil - Capela no Imbondeiro |
Voltava-se novamente para a esquerda e, ao fim de cerca de duzentos metros, entrava-se numa área com edifícios compridos e baixos com um corredor ao meio e dois tabuleiros feitos de cimento ao logo das paredes laterais e que serviam de camas para as praças, que ali dormiam sobre colchões de espuma. As paredes laterais não encostavam ao coberto dos edifícios, deixando um abertura de cerca de um metro de altura entre o telhado e o cimo da parede lateral para circulação de ar e arrefecimento do ambiente, num perfeito arremedo de ar condicionado.
Os sargentos ficavam alojados num barraca tipo JC servindo de camarata. Numa outra barraca idêntica à dos Sargentos, mas de tamanho menor, ficava a Secretaria da Companhia e o alojamento para o 1º.Sargento.
Durante o dia, o local não era muito quente e suportavam-se muito bem as temperaturas!...Mas à noite?!?... Então é que era o bom e o bonito!...Só se ouviam dar palmadas na cara, nas mãos e por toda a parte descoberta do corpo, pois havia uma invasão de mosquitos que pareciam esfomeados e no dia seguinte, estávamos todos pintalgados das ferroadas que nos davam!...
Um dia ou dois depois de chegarmos ao Grafanil, foi-nos entregue o armamento, equipamento e todo o material necessário para poder-mos deslocar-nos para a nossa zona de actuação.
Uma vez completa a operação anterior, chegou o dia de se iniciar o movimento de deslocação, em coluna auto, composta por camiões de carga, de caixa aberta, para a nossa zona de actuação, que era o sub-Sector do Quitexe, Sector de Carmona, onde ficaria a séde do BArt 786 e a respectiva CCS. A nossa CArt 785, ficaria aquartelada nas recém-recuperadas instalações de uma plantação de café, designada por Fazenda Liberato. Para chegarmos ao nosso destino, tivemos que percorrer: 10 Km, do Grafanil a Luanda, 180 Km, de Luanda a Aldeia Viçosa e 39 Km, de Aldeia Viçosa à Fazenda Liberato, perfazendo um total de 229 Km, a maioria dos quais, em boa estrada asfaltada . O percurso Aldeia Viçosa Liberato é que era o pior: Picada, com piso de macadame (laterite), sofrível em tempo seco, embora com muita poeira, mas terrivelmente má no tempo das chuvas.
Foram-nos dadas rigorosas instruções para que, no caso de haver alguma emboscada. , não se disparasse um único tiro sem razão justificativa, isto é, sem que se visse alguém a atacar-nos directamente. A reacção contra essa acção estaria unicamente a cargo da parte directamente atacada. Todos os restantes apenas se abrigariam o melhor possível e ficariam “sossegados” e “calados”. Fomos informados de que essa atitude era a mais sensata e revelaria que éramos ponderados na utilização dos nossos meios de defesa e que o In ficaria avisado de que não éramos para “brincadeiras” e nos deixaria em paz, vendo a nossa táctica como muito perigosa para ele.
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Aerodromo da Fazenda Liberato - Alf. Dinis, Furriéis Croca, Claudino, S. Silva, 2º Sarg. Botelho e Alf. Tinoca |
Ao chegarmos a Aldeia Viçosa, chegávamos ao início do caminho de acesso ao aquartelamento da nossa Companhia, que era a já referida Fazenda Liberato, que ficava a uma distância de cerca de 39-40 quilómetros de Aldeia Viçosa, cuja picada se encontrava em péssimo estado de conservação e levávamos duas a três horas e, às vezes mais, dependendo da época em que estivéssemos [cacimbo (seca) ou chuvas) para fazermos tal percurso. Acrescia o facto de, ao longo dessa picada, existirem restos de sanzalas (Cólua e outras), em que houvera , há cerca de um ano, um massacre de uma coluna militar, da Fazenda Liberato, que regressava ou voltava para o seu Quartel. Em revanche, caíram em cima dessas sanzalas algumas grandes operações que levaram a ferro e fogo tudo quanto lhes apareceu pela frente. A partir daí, passou a haver tranquilidade relativa em tal percurso.
Mas, acho que esta narrativa já vai um pouco avançada e vou terminar por hoje, para continuar no próximo capítulo.
Até breve.
Octávio Botelho